Até o início do século XX, Fortaleza dava as costas para o mar. A orla, margeada por dunas e amplas faixas de areia, tinha extensos coqueirais e áreas de mangue livres da ocupação. Os ventos e as correntes marítimas garantiam o equilíbrio do litoral. Vinham as ressacas, seguindo a tendência natural de avanço e recuo do mar, mas a faixa de praia estava sempre a salvo. Nada parecido com o que se vê hoje. Em alguns trechos já não existe faixa de areia. Paredões de rocha se estendem por quilômetros. Não dá mais para tomar banho de mar em alguns locais. Falta acesso.
A água cobriu plantações de bananeira, mercearias, casas e ruas inteiras ao longo do litoral cearense e ameaça derrubar outras construções a cada nova ressaca. A mudança radical veio com a instalação do Porto do Mucuripe, iniciada em 1939. "O recuo da linha de costa sempre existiu no Estado como fenômeno natural, mas passou a se mostrar mais freqüente a partir da construção do porto", diz Arilo Veras, coordenador do Conselho de Proteção Ambiental do Ceará.
Tentando administrar os impactos provocados pela abertura do cais, uma sucessão de intervenções alterou toda a dinâmica de transporte e alimentação das praias na Capital, o que em pouco tempo alcançou municípios vizinhos. O porto acabou virando bode expiatório na história da degradação da orla, mas outros fatores tiveram o mesmo impacto negativo. A destruição das dunas, por exemplo.
O problema não é exclusividade nossa. Em toda costa do País, há pontos acuados pelo avanço do mar. No início do mês, coordenadores do projeto orla de diferentes cidades do Brasil se reuniram para trocar experiências. Praias no Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo estão ameaçadas pelo avanço do mar. A tecnologia de contenção de marés pode resolver quase todos os problemas, mas a intervenção que resguarda uma determinada praia vai mexer com a dinâmica das praias vizinhas. Além disso, as obras são sempre milionárias. O mar está ganhando a briga.