O Plano Diretor que está em vigor em Fortaleza demorou cinco anos para ser aprovado. Boa parte do tempo ficou em gavetas, mas também houve diversas discussões, audiências públicas, conferências, polêmicas. Até que, no finzinho de 2008, conseguiu a primeira aprovação na Câmara Municipal, por consenso - a publicação no Diário Oficial do Município só se deu em 13 de março de 2009, há pouco mais de um ano. Ao sancionar a lei, a intenção da gestão pública é que o plano valha como orientador dos rumos dos investimentos e das ações na cidade pelos dez anos seguintes, estabelecendo prioridades e regulando o uso do solo de acordo com o que ficou consentido para cada localidade. A abrangência do plano é bem ampla, com uma forte ênfase para questões socioambientais, ressaltando a necessidade de buscar meios para melhorar a qualidade de vida da população, mas pelo uso responsável dos recursos naturais disponíveis. Pela lei, a região do Serviluz é beneficiada por pelo menos três dispositivos de proteção e incentivos: como Zona Especial de Interesse Social (Zeis), como Zona de Preservação Ambiental (ZPA) e como Zona Especial do Projeto Orla (Zepo). Sintetizando as três "zonas": no Serviluz, ficou estabelecido que a gestão pública deve, prioritariamente, investir na regularização fundiária e a ampliação de programas habitacionais, na urbanização, em ações que gerem desenvolvimento sustentável e na recuperação da balneabilidade do mar, recurso natural de uso comum assegurado pela lei. Ainda falta regulamentar uma série de dispositivos do Plano Diretor para que ele de fato saia do papel - nem sequer os conselhos gestores das Zeis, que devem ser os responsáveis pela mediação de todas as intervenções locais, foram montados ainda -, mas a lei está aí e deve ser vista como válida.
IMPACTOS DE VIZINHANÇA
O Plano Diretor prevê, inclusive, em seu artigo 219, a necessidade de um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), a "contemplar os aspectos positivos e negativos do empreendimento sobre a qualidade de vida da população residente ou usuária do local, devendo incluir, no que couber, análises e recomendações sobre: I - aspectos relativos ao uso e ocupação do solo; II - implicações sobre o adensamento populacional; III - alterações no assentamento da população e a garantia de seu direito à cidade; IV - possibilidades de valorização ou desvalorização imobiliária e suas implicações no desenvolvimento econômico e social da cidade; V - impactos na paisagem urbana e nas áreas imóveis de interesse histórico, cultural, paisagístico e ambiental; VI - impactos na infraestrutura urbana de abastecimento de água, de coleta e tratamento de esgoto, de coleta de lixo, de drenagem e de fornecimento de energia elétrica (...); VII - equipamentos urbanos e comunitários existentes e a demanda, especialmente, por equipamentos de saúde, educação, transporte e lazer; VIII - impactos no sistema viário, de circulação de pedestres, de transportes coletivos e de estacionamentos; XIX - interferências no tráfego de veículos, de bicicletas e de pedestres; X - ventilação e iluminação das novas construções vizinhas; XI - geração de poluição sonora, visual, atmosférica e hídrica; XII - geração de vibrações; XIII - riscos ambientais e de periculosidade; XIV - geração de resíduos sólidos; XV - impactos socioeconômicos sobre as atividades desenvolvidas pela população residente ou atuante no local".
MUDAR A LEI POR UMA EMPRESA
Decidi trazer hoje essas informações técnicas porque não entendi a posição da seccional cearense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na terça-feira, a entidade aprovou um parecer em que se diz favorável à instalação de um estaleiro na praia do Titanzinho, no Serviluz. Contudo, constatou que, para isso ser possível, será necessário mudar o Plano Diretor. Ora, evidentemente as leis não estão aí para ficarem congeladas - imprevistos acontecem e o Legislativo está aí justamente para fazer as alterações sempre que necessário. Mas será que seria juridicamente adequado falar em mudar uma lei recém-aprovada que busca primordialmente pensar no planejamento da cidade - ou seja, prever hoje o que se quer para o futuro -, só pela imposição de uma empresa privada? E o que seria modificado? Só pelo trechinho que expus, dá para perceber que muita coisa teria de ser alterada - e não apenas isso, mas fragilizada, já que tais mudanças teriam de cair justamente nos instrumentos de proteção social que perpassam todo o texto. E como falar da instalação de um enorme estaleiro numa região superpopulosa como o Serviluz sem antes de mais nada colocar em prática o tal EIV? Será que o estaleiro passaria no teste? Bem, o fato é que ainda não aconteceu o que tanto tem se pedido, não apenas nessa coluna, mas em diversos artigos já publicados no jornal e outros espaços públicos: que nessa discussão, o discurso político puro e simples seja deixado de lado para dar espaço a uma discussão técnica séria e imparcial, na medida do possível. E, infelizmente, a OAB, apesar de argumentar ter feito, sim, um parecer técnico, perdeu a oportunidade de ser a indutora dessa virada argumentativa.
Fonte: Coluna POLITICA/ O POVO por Kamila Fernandes.
domingo, 21 de março de 2010
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