O geólogo e consultor ambiental, Ricardo A. M. Theophilo, entra no debate sobre o projeto de canalização do riacho Alagadiço. Ele participou de encontro com a coordenação do Movimento Pró-Parque Rachel de Queiroz, realizado no último sábado (10/9), e afirmou que o Plano Diretor de Fortaleza, aprovado em 2009, proibe a canalização do riacho. Em artigo publicado no site www.parqueracheldequeiroz.org , o respeitado consultor analisa a Lei Municipal, denuncia as ocupações irrgulares do leito do riacho como o maior problema de drenagem e conclui que "a criação do Parque Rachel de Queiroz pode resultar num controle natural das cheias da região". Confira abaixo:
Riacho Alagadiço e Sistema de Drenagem
As cidades possuem uma forte tendência à impermeabilização dos solos, daí os Planos Diretores indicarem os limites de ocupação por trechos e zonas no interior das mesmas. No caso de Fortaleza há um recente plano diretor (Lei complementar nº 062, de 02 de fevereiro de 2009), que trata da maioria das questões pertinentes, em substituição a outras anteriores que versavam no mesmo sentido. A bacia hidrográfica do Riacho Alagadiço, no plano diretor, possui duas macrozonas de proteção ambiental, e complementam-se por parte de ZOP 1 e parte de ZRU 1.
Art. 59 - A macrozona de proteção ambiental é composta por ecossistemas de interesse ambiental, bem como por áreas destinadas à proteção, preservação, recuperação ambiental e ao desenvolvimento de usos e atividades sustentáveis.
Art. 60 - São objetivos da macrozona de proteção ambiental:
I - proteger os sistemas ambientais existentes;
II – recuperar os sistemas ambientais degradados;
III - regular usos, ocupação e desenvolvimento de atividades sustentáveis, conter atividades incompatíveis com a conservação de ecossistemas, recursos naturais e atributos relevantes da paisagem;
IV – garantir a preservação dos ambientes litorâneos;
V – garantir acesso público às praias, conferindo boas condições para atividades de lazer e recreação;
VI - limitar a expansão urbana nos limites da macrozona de proteção ambiental;
VII - referenciar a elaboração de um Sistema Municipal de Áreas Verdes e Unidades de Conservação, integrado ao Sistema Municipal de Meio Ambiente (SIMMA);
VIII - promover a qualidade ambiental, garantindo a qualidade de vida da população.
Art. 61 - A macrozona de proteção ambiental subdivide-se nas seguintes zonas:
I - Zona de Preservação Ambiental (ZPA);
II - Zona de Recuperação Ambiental (ZRA);
III - Zona de Interesse Ambiental (ZIA).
Parágrafo Único - A localização e os limites das zonas de que trata este artigo são os constantes das delimitações georreferenciadas do Anexo 2 (Mapa 2) e Anexo 2-A, desta Lei.
Art. 62 - Não será permitida a edificação do subsolo na Zona de Preservação Ambiental da Macrozona de Proteção Ambiental.
No caso da bacia hidrográfica do Riacho Alagadiço há dentro da macrozona de proteção ambiental a ZPA1 e a ZRA. A ZPA 1 é a Faixa de Preservação Permanente dos Recursos Hídricos.
Art. 66. São parâmetros da ZPA:
I - índice de aproveitamento básico: 0,0;
II - índice de aproveitamento máximo: 0,0;
III - índice de aproveitamento mínimo: 0,0;
IV - taxa de permeabilidade: 100%;
V - taxa de ocupação: 0,0;
VI - altura máxima da edificação: 0,0.
§ 1º - Não será permitido o parcelamento do solo na Zona de Preservação Ambiental (ZPA).
Como se observa não pode haver impermeabilização na ZPA, pois a permeabilidade tem que ser 100%. Assim qualquer proposta que englobe impermeabilizar o leito do riacho, por exemplo, é ilegal.
Art. 67 - A Zona de Recuperação Ambiental (ZRA) compõe-se por áreas parcialmente ocupadas e com atributos ambientais relevantes que sofreram processo de degradação, e tem como objetivo básico proteger a diversidade ecológica, disciplinar os processos de ocupação do solo, recuperar o ambiente natural degradado e assegurar a estabilidade do uso dos recursos naturais, buscando o equilíbrio socioambiental.
Art. 68 - São objetivos da Zona de Recuperação Ambiental (ZRA):
I - promover a conservação e recuperação ambiental de áreas indevidamente utilizadas e/ou ocupadas;
II – qualificar os assentamentos existentes, de forma a minimizar os impactos decorrentes da ocupação indevida do território elevando os níveis da qualidade ambiental;
III - controlar e disciplinar os processos de uso e ocupação do solo a fim de assegurar a estabilidade do uso dos recursos naturais;
IV - proteger ambientes naturais onde se assegurem condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora e da fauna local;
V - promover a regularização fundiária nas áreas ocupadas pela população de baixa renda, definidas como ZEIS;
VI - promover a recuperação ambiental de terras ocupadas irregularmente mediante Termo de Compromisso.
Como se observa essas áreas são fortemente protegidas por Lei e qualquer ação em seu interior demandará cuidados especiais.
A ZOP 1 é Zona de Ocupação Preferencial 1, na qual se permite a máxima intensificação do uso e ocupação do solo, no entanto:
- Taxa de permeabilidade é 30%;
- Taxa de ocupação é 60%;
Como se vê nem na zona de ocupação preferencial é permitido impermeabilizar e ocupar desregradamente. A ZRU 1 é a Zona de Requalificação Urbana 1, na qual há: “insuficiência ou precariedade da infraestrutura e dos serviços urbanos, principalmente de saneamento ambiental, carência de equipamentos e espaços públicos, pela presença de imóveis não utilizados e subutilizados e incidência de núcleos habitacionais de interesse social precários; destinando-se à requalificação urbanística e ambiental, à adequação das condições de habitabilidade, acessibilidade e mobilidade e à intensificação e dinamização do uso e ocupação do solo dos imóveis não utilizados e subutilizados.”
A análise que se faz compreende que em nenhuma das zonas há de se permitir qualquer ocupação fora do contexto a qual se refere a zona a ser ocupada.
Além das zonas serem diferenciadas entre si, o meio ambiente também é diverso, ensejando que não possa haver uma resposta comum a qualquer evento de drenagem urbana. Cada trecho arenoso ou argiloso, rochoso ou pedregoso, meândrico ou retilíneo, com forte ou moderada declividade, terá sempre diferenças em relação ao outro, assim um projeto de drenagem deverá também compartimentar-se para atuar em conformidade com a natureza de cada trecho, pois haverão trechos íngremes e outros planos com maior ou menor permeabilidade natural ao longo de um eixo de drenagem urbana.
Passando das limitações legais e pela natureza física, ainda há a condição efetiva de ocupação, ou seja: aquela ocupação que ocorreu em desrespeito das Leis e que com isso consegue alterar as condições naturais de escoamento da drenagem. Como essas ocupações são pontuais, um projeto de drenagem urbana há de considerá-las também.
Comentário: Neste momento é pertinente afirmar que não se pode produzir um projeto de drenagem único para locais tão diversos, devendo o mesmo ser compartimentado, onde as soluções técnicas de um trecho são, certamente diversas da de outros.
Contextualizando o sistema de drenagem para o riacho Alagadiço e a proposição de criação do Parque Rachel de Queiroz, se verifica que o maior problema de drenagem urbana se dá com a ocupação irregular do leito do riacho, e cujo ponto mais crítico é, com absoluta certeza técnica, a construção de um shopping sobre o curso do mesmo, em total desrespeito as Leis, quer sejam: municipais, estaduais ou federais.
A criação do Parque Rachel de Queiroz em si, pode resultar num controle natural das cheias, como atestado em nota técnica do ano de 2003. A nota trata do trecho 6 do Parque, cuja implementação é a demanda principal do movimento pela criação do Parque Rachel de Queiroz. O trecho 6 está localizado imediatamente ao norte do Colégio Santa Isabel, sendo margeado pela Av. Parsifal Barroso. Nele havia uma grande várzea que funcionava como controladora natural das cheias, pois a água extravasava o leito do riacho e ficava retida nas várzeas, escoando depois lentamente e evitando alagamentos às zonas habitadas. Ocorre que o local ficou desprotegido e nele foram lançados rejeitos de construção civil, lixos diversos, e toda sorte de descartes urbanos. Isso provocou o aterramento da várzea (ver nota técnica). Retirar os entulhos da várzea é o melhor controle de drenagem urbana que se pode realizar, pois será o de menor custo e maior eficiência. Isso pode, e deve, ser associado a implantação efetiva do trecho 6 do Parque Rachel de Queiroz.
Ressalta-se que com o sistema natural da várzea, o leito do riacho, torna-se de menor importância, sendo recomendada sua manutenção o mais próxima do natural possível, sem confinamentos por qualquer canalização, bem como mantendo as curvas naturais do mesmo, evitando sua retificação.
Sobre retificação as normas ambientais do País já prevêem, desde 1986, que devem ser precedidas por um EIA/RIMA, sobre impermeabilização com canalização do riacho Alagadiço no trecho 6 do Parque Rachel de Queiroz o próprio plano diretor de Fortaleza proíbe.
Por fim gostaria de me solidarizar com todos os companheiros que estão tentando dar a cidade o Parque Urbano mais racional do Brasil, pois será o de menor custo por área e o de maior inclusão social, já que será implantado no bordo de maior concentração populacional da cidade, que é o mesmo onde há as menores áreas protegidas.
Fortaleza, 11 de setembro de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário