Se não for um treino de superfaturtamento para os jogos de 2016, a promessa de que o Comitê Olímpico Internacional plantará 24 milhões de árvores na cidade é a maior notícia ambiental do Rio de Janeiro desde 1565, quando Estácio de Sá inaugurou a guerra de quase cinco séculos entre os cariocas e a exuberância de sua paisagem.
Ali, uma das primeiras empreitadas civizatórias foi secar a lagoa que havia aos pés do morro Cara de Cão. Ela hoje só costuma ser recordada no melancólico epitáfio do padre José de Anchieta, que a dresceveu como “uma légua de água podre”. Vinte e quatro milhões de árvores soam como um número prodigioso, que roça o incomensurável. E o incomensurável, em contas públicas, sempre cria problemas. O major Manuel Gomes Archer, no Segundo Reinado, levou 13 anos plantando 80 mil mudas nas encostas da Tijuca. Com elas – e mais 20 mil do barão Gastão d’Escragnolle – deixou no Alto da Boa Vista a mata que, até hoje, as autoridades municipais enchem a boca para chamar de “maior floresta do mundo”.
Maior do mundo é puro ufanismo. O que ela sempre foi, e continua sendo, é o maior feito da engenharia nacional para abater a dívida ruinosa que o Rio de Janeiro contraiu com sua natureza. E o déficit vem de longe. Em 1502, quando foi descoberta no réveillon pela tripulação de Duarte Coelho, a baía de Guanabara parecia pronta para sediar qualquer competição internacional de musculatura geológica irretocável.
De lá para cá, a baía perdeu 36 ilhas, 46 praias, 104 quilômetros quadrados de restingas e 160 de manguezais. As grandes lagoas que coalhavam o núcleo histórico da cidade viraram, na melhor das hipóteses, pequenos jardins ou grandes praças. Elas abrigam atualmente os muitos morros derrubados para aterrá-las, inclusive o do Castelo, que não devia ser tão ruim quanto se alegava no desmonte final, da décadade 1920, pois foi em cima dele que vingou efetivamente a ocupação colonial.
Com base nessa vasta experiência de desinvestimento em seu patrimônio natural, o Rio de Janeiro acaba de ganhar a maratona de 2016, sacando mais numa vez de um dote de belezas naturais, que só por excesso de fartura não foi ainda exaurido. Nem a Floresta Nacional do major Archer escapou incólume ao avanço da cidade. Acabou sitiada por favelas, que governo nenhum levanta o dedo para conter. Na década de 1990, sumiram nas águas turvas da Guanabara 700 milhões de dólares de um programa de despoluição que poluiu mais a política carioca do que limpou a baía.
Durante mais de uma década, depositaram-se num lodo habituado a engolir chumbo, cádmio e mercúrio. São os metais pesados dos financiamentos a fundo perdido.De repente voltam à tona, com olímpica animação, projetos que deveriam estar concluídos há anos, inclusive porque foram inaugurados por mais de um governo. Fala-se outra em dragar canais assoreados por lixo tóxico, filtrar rios cuja vida vem do esgoto in natura ou recompor matas ciliares, em lugar tradicionalmente reservado a barracos e carcaças de automóveis. Tudo tão auspicioso que vale a pena ouvir de novo.
Mas nenhum tem o ineditismo e a escala dos 24 milhões de árvores. Se forem plantadas a sério, com o devido espaço entre as mudas, elas ocupariam no mínimo 144 mil hectares. Cobririam 45 parques nacionais como o da Tijuca. Mas, infelizmente, não caberiam no município, por mais verde que ele queira ser daqui para a frente, ou mesmo que tenha sido no passado distante. Parece árvore demais. E tudo o que é demais, neste país, acaba sendo de menos.
Matéria do Marcos Sá Correia para O ECO http://www.oeco.com.br/. Imagem da Cascata Véu de Noiva na Floresta da Tijuca no Rio de Janeiro por enquanto maior floresta tropical urbana do mundo. Foto Flickr Galeria de nlimonge
Ali, uma das primeiras empreitadas civizatórias foi secar a lagoa que havia aos pés do morro Cara de Cão. Ela hoje só costuma ser recordada no melancólico epitáfio do padre José de Anchieta, que a dresceveu como “uma légua de água podre”. Vinte e quatro milhões de árvores soam como um número prodigioso, que roça o incomensurável. E o incomensurável, em contas públicas, sempre cria problemas. O major Manuel Gomes Archer, no Segundo Reinado, levou 13 anos plantando 80 mil mudas nas encostas da Tijuca. Com elas – e mais 20 mil do barão Gastão d’Escragnolle – deixou no Alto da Boa Vista a mata que, até hoje, as autoridades municipais enchem a boca para chamar de “maior floresta do mundo”.
Maior do mundo é puro ufanismo. O que ela sempre foi, e continua sendo, é o maior feito da engenharia nacional para abater a dívida ruinosa que o Rio de Janeiro contraiu com sua natureza. E o déficit vem de longe. Em 1502, quando foi descoberta no réveillon pela tripulação de Duarte Coelho, a baía de Guanabara parecia pronta para sediar qualquer competição internacional de musculatura geológica irretocável.
De lá para cá, a baía perdeu 36 ilhas, 46 praias, 104 quilômetros quadrados de restingas e 160 de manguezais. As grandes lagoas que coalhavam o núcleo histórico da cidade viraram, na melhor das hipóteses, pequenos jardins ou grandes praças. Elas abrigam atualmente os muitos morros derrubados para aterrá-las, inclusive o do Castelo, que não devia ser tão ruim quanto se alegava no desmonte final, da décadade 1920, pois foi em cima dele que vingou efetivamente a ocupação colonial.
Com base nessa vasta experiência de desinvestimento em seu patrimônio natural, o Rio de Janeiro acaba de ganhar a maratona de 2016, sacando mais numa vez de um dote de belezas naturais, que só por excesso de fartura não foi ainda exaurido. Nem a Floresta Nacional do major Archer escapou incólume ao avanço da cidade. Acabou sitiada por favelas, que governo nenhum levanta o dedo para conter. Na década de 1990, sumiram nas águas turvas da Guanabara 700 milhões de dólares de um programa de despoluição que poluiu mais a política carioca do que limpou a baía.
Durante mais de uma década, depositaram-se num lodo habituado a engolir chumbo, cádmio e mercúrio. São os metais pesados dos financiamentos a fundo perdido.De repente voltam à tona, com olímpica animação, projetos que deveriam estar concluídos há anos, inclusive porque foram inaugurados por mais de um governo. Fala-se outra em dragar canais assoreados por lixo tóxico, filtrar rios cuja vida vem do esgoto in natura ou recompor matas ciliares, em lugar tradicionalmente reservado a barracos e carcaças de automóveis. Tudo tão auspicioso que vale a pena ouvir de novo.
Mas nenhum tem o ineditismo e a escala dos 24 milhões de árvores. Se forem plantadas a sério, com o devido espaço entre as mudas, elas ocupariam no mínimo 144 mil hectares. Cobririam 45 parques nacionais como o da Tijuca. Mas, infelizmente, não caberiam no município, por mais verde que ele queira ser daqui para a frente, ou mesmo que tenha sido no passado distante. Parece árvore demais. E tudo o que é demais, neste país, acaba sendo de menos.
Matéria do Marcos Sá Correia para O ECO http://www.oeco.com.br/. Imagem da Cascata Véu de Noiva na Floresta da Tijuca no Rio de Janeiro por enquanto maior floresta tropical urbana do mundo. Foto Flickr Galeria de nlimonge
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