domingo, 8 de fevereiro de 2009

O Centro ao avesso ²

Entre a Igreja do Patrocínio e o Theatro José de Alencar, tapumes cercam a praça. Cerca de três mil feirantes aguardam a reforma recém iniciada. Enquanto esperam, eles migram com suas mercadorias e se irradiam pelo resto do Centro da cidade, ocupam os monumentos colossais, espaços gloriosos, heranças do século XIX. Entre as praças e os equipamentos tombados, os pedestres transitam nas reminiscências de um passado longínquo.

Com a expansão da cidade, principalmente no pós-guerra, a partir da década de 50, o Centro assistiu aos poucos ruir o seu império, perdendo atenção principalmente para a região leste da cidade. A imagem decadente pode ser apenas um prognóstico ligeiro daqueles que nem sempre por lá pisam. O Centro vive, repete-se e reinventa-se a cada dia. Mesmo não sendo mais conhecido como um bairro residencial, ele acolhe mais de 27 mil habitantes que dormem escondidos entre os oito mil domicílios estabelecidos na área. Isso contando apenas aqueles que dormem debaixo de um teto. Pois as calçadas viram camas e papelões, colchões, enquanto 660 imóveis, entre prédios ou terrenos subutilizados, dormem vazios. Mas a rotina caótica do Centro acontece mesmo durante o dia, feita por aqueles que não habitam o lugar.

Acolhedor, ele recebe, por dia, cerca de 120 mil estrangeiros de outros bairros. Trafegam em suas vielas. Alguns apressados, com muitas coisas para resolver; outros, desocupados, matam o tempo. Mesmo sem glamour, o Centro tem consciência de seu poder. Pela avenida Duque de Caxias, mais de 30 mil veículos são obrigados a atravessar os corredores. Os automóveis dividem o espaço com os 979 ônibus, distribuídos em 99 linhas, que trazem e levam as visitas e os empregados. Perverso, quase com vontade própria, o Centro pulsa e guia os pedestres durante o horário comercial, respeitando as normas de quem manda no pedaço. Começo da noite, ele expulsa boa parte dos visitantes e não se responsabiliza por aqueles que trafegam ou insistam na permanência.

Da reportagem do Caderno Vida e Arte, do Jornal O POVO, citada.

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