Pronunciamento em Audiencia Pública na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, em 23/09/2009, sobre a proposta de instalação de estaleiro naval na Praia do Titanzinho, como representante do IAB/ CE - Instituto de Arquitetos do Brasil/ Departamento do Ceará
A idéia do Governo do Estado, originária da ADECE/ Agencia de Desenvolvimento do Estado do Ceará, de apoiar a implantação de um estaleiro naval na Praia do Titanzinho, reeditando a proposta de ampliação do Complexo Industrial Portuário do Mucuripe está sendo a grande polemica de próximos dias em Fortaleza. De um lado estarão os argumentos de que aquele é local ideal para implantação desta nova planta industrial e do outro todos aqueles que consideram a proposição não adequada dos pontos de vista ambiental, urbanístico, social e até mesmo econômico.
De forma a contribuir ao debate: alinhavo aqui 10 pontos que são de uma certa forma impeditivos a esta proposição, mas que devem ser mais aprofundados e ao mesmo tento colaborar com uma pauta proativa de verificação de opções mais adequadas a consolidação do empreendimento proposto:
- O Município de Fortaleza tem suas diretrizes de desenvolvimento urbano, expressas em seu Plano Diretor Municipal, recém promulgado e no mesmo as diretrizes para aquele setor urbano Serviluz/ Titanzinho são para regulação fundiária, requalificação urbana e dotação de infraestrutura no sentido de reduzir o apartheid social daquela população. Não existem recomendações para novas localizações industriais junto ao Porto do Mucuripe. Então para o estaleiro se consolidasse deveríamos rever e/ou alterar a lei e isto não se dá por um passe de mágica. Para aprovação do atual plano diretor foram gastos mais de 6 anos de estudos técnicos, debates e audiências públicas.
- Outro aspecto se refere à própria questão ambiental: a Praia do Titanzinho, esta pequena faixa de terra de um pouco mais de 500 metros é uma situação comprovadamente frágil do ponto de vista ambiental, isto também comprovado por vários estudos de dinâmica costeira. As atividades para ela recomendadas são as que ali já existem: práticas de esportes do mar, pesca artesanal, lazer e fruição da natureza, de certa forma todas ligadas ao Turismo, em sua versão comunitária.
- Um outro impacto sem precedentes se dará sobre a economia local de atividades ligadas à pesca artesanal que será comprometida e provavelmente empurrada para a extinção. Mais um revés à luta pela preservação deste segmento, empreendida pelos pescadores, pequenos armadores, comerciantes de pescado e representantes da Colina Z8, que se utilizam das condições locais favoráveis à pesca até de grandes camurupins e sirigados, aos pargos e biquaras. Agora além da falta informação, apoio profissionalizante, incentivo ao crédito e segurança no trabalho, pode faltar também pescado.
- Não é uma boa idéia reeditar a proposta de ampliação do Porto do Mucuripe em direção à Praia do Titanzinho significa retirá-la definitivamente da orla marítima de Fortaleza. O aterro hidráulico oceânico proposto no lugar da mesma será da ordem quase 2 milhões de m³ e resultará nos 30 hectares ou 30 quadras necessárias à consolidação do estaleiro proposto. Isto implica em impactar mais uma vez na nossa tão maltratada orla municipal, convalidará mais uma vez a inadequada e já histórica postura de má convivência com o meio ambiente. Mas não só isto que iremos perder irá para o espaço o maior celeiro de esportes do mar que temos no Ceará, com esportistas treinados naquela que é considerada uma das melhores praias de surfe do Brasil, que nos colocaram no topo deste esporte no mundo, com campeões mundiais. Na esteira desaparecerá o ambiente de treinamento de mergulho submarino que é significativo.
- A idéia vigente de concentração industrial se direciona para o Complexo Pecém, onde o Estado do Ceará investiu já investiu mais de um bilhão e meio de reais para consolidação do Porto do Pecém, na divisa de São Gonçalo com Caucaia, consolidando ali um dos mais modernos equipamentos portuários do Brasil e que tem no próprio Plano Geral CIPP a reserva de área para localização de um estaleiro, em posição de maior favorabilidade técnica e com menores impactos ambientais e sociais.
- O Plano Diretor do Mucuripe, também recém elaborado, abandonou a idéia de concentração industrial no seu entorno e tem entre suas diretrizes, em destaque o aprimoramento de duas instalações ao Turismo, com a implantação de um terminal de passageiros internacional e piers de atracação para grandes navios de cruzeiros marítimos. Isto é sempre divulgado e o próprio Ministro dos Portos Pedro Brito virá aqui melhor explicar este objetivo que significa 110 milhões de investimentos.
- A Prefeitura de Fortaleza, caminhando na direção das recomendações do Plano Diretor assumiu compromissos com próprio Governo Federal: de consolidar o Projeto Orla, com o Ministério do Planejamento; de implantar o Projeto Vila da Praia, com o Ministério das Cidades e de requalificar o Farol do Mucuripe e entorno urbanístico, um dos mais antigos edifícios desta cidade e patrimônio histórico nacional, com o Ministério do Turismo. Será difícil explicar a estes Ministérios e aos organismos de fomento e financiamento internacionais BNDES e BID esta abandono de diretrizes.
- Outro impacto sem medida é que grande parte do bairro do Serviluz vai ser substituído pelos sistemas de logística requeridos pelo futuro estaleiro tais como extensão do sistema ferroviário, deslocamento de parte do próprio pátio, abertura de vias exclusivas e outras “benfeitorias” que de fato só serão adequadas às operações industriais futuras. Provavelmente uma parte das ocupações urbanas que ali está deva ser removida para dar espaço a tudo isto. Mais nova diáspora será imposta à população do bairro, se não me engano a terceira dos últimos 40 anos. E atrás disso virá o comprometimento de todo o trabalho social desenvolvido pelas 38 organizações sociais e 21 igrejas, de várias denominações, que há três décadas lutam a favor da valorização da cidadania, contra a pobreza, contra os estigmas decorrentes da mesma e dos vários carimbos depreciativos que o bairro do Serviluz carregou consigo por muitos anos.
- Existe também um impasse de caráter legal relacionado quanto ao patrimônio histórico. Em sendo o Farol do Mucuripe(1845), um bem tombado e relacionado com o patrimônio histórico nacional, há recomendações “strictu sensu” para sua preservação e requalificação do seu entorno. Isto limita categoricamente grandes instalações industriais no seu entorno.
- Por fim, temos um aspecto econômico: o crescimento da economia do Ceará, no ultimo ano, segundo dados do IPECE, se deu em acima da dos índices nacionais, da ordem de 2.5%. O grande destaque veio do setor de Serviços com 5,4%. Serviços significam também Turismo, em sua várias vertentes.
Assim se faz urgente flexibilizar a proposição e criar uma pauta proativa, sob todos os pontos de vista, primeiro porque aqui ninguém está aqui se colocando contra o empreendimento estaleiro e sim contra sua localização inadequada.
Em primeiro deveriam ser priorizadas a atendidas as demandas já históricas da comunidade do Serviluz e imediações, em situação de apartheid social há mais de meio século e verificar que suas proposições de desenvolvimento sustentável, que envolvem requalificação e infraestrutura urbana, Educação inclusive técnica, Turismo, em suas várias vertentes: comunitário, ecoturismo, práticas esportivas e esportivo – surf/ wind surf/ mergulho submarino – de cruzeiros marítimos, pesca artesanal, capacitação e inclusão digital são muito mais adequadas aos sonhos e visões de futuro da comunidade e da juventude do Titanzinho.
Por outro lado, entendemos claramente que o engenho e arte da arquitetura, do urbanismo e do planejamento territorial e, consequentemente da engenharia existem para solucionar impasses e não para agravá-los. Chamando a atenção para as contrapartidas apresentadas tanto pelo Estado do Ceará como dos investidores são até agora puramente simbólicas.
Por fim, indicamos que existem outras situações, no próprio Município de Fortaleza, que permitem a instalação de estaleiros navais e indústrias complementares, como disse o próprio Presidente da ADECE, Eng. Antonio Balmann. Gostaríamos de chamar a atenção para a Barra do Rio Ceará onde estão lá em estado de abandono mais de 250 hectares de antigas instalações de estaleiro e de indústria de processamento de sal e históricas instalações do primeiro hidroporto do Ceará, que bem poderiam comportar não só este novo estaleiro proposto pelo Estado do Ceará, mas um complexo naval de porte mais significativo.
Os estudos poderiam definir uma pauta programática mais ampla e mais diversa que incluíssem: uma base operacional de pesca e distrito industrial de processamento do pescado; uma escola de pesca e navegação, aproveitando os acordos bilaterais Brasil/ Portugal e os interesses parte a parte; um centro de estudos de ciências do mar, em parceria com as instituições de renome que já atuam aqui na região e no Estado do Ceará – LABOMAR/ UFC, INPH/ Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias, LTS/ Laboratório de Tecnologia Submarina da COPPE/ UFRJ, DHI/ Danish Hydraulic Institute, LNE/ Laboratório Nacional de Engenharia Civil/ Lisboa e outros e, até equipamentos de navegação de recreio.
Os exemplos são diversos. Podem vir do Estuário de Vigo, na Galicia, Espanha, recém visitado por Presidente da ADECE, como podem vir do Estuário do Sado, no Distrito de Setúbal em Portugal.
Quanto aos impedimentos existentes, como a Ponte da Barra do Rio Ceará, cabem soluções mais adequadas. Aquele atentado a Arquitetura/ Engenharia e notadamente à paisagem litorânea, pode muito ser substituído por uma proposta mais adequada e contemporânea, no contexto dos investimentos necessários a localização deste complexo, como dragagem do canal do rio, melhoramentos da logística e infraestrutura. Enfim: devemos criar alternativas mais adequadas de desenvolvimento sustentável embasadas em propostas mais ousadas de redesenho e requalificação do território.
Professor/ Arquiteto/ Urbanista José Sales/ UFC