Quase duas décadas se passaram desde que ouvi as primeiras declarações de intenções de gestores públicos para o Centro de Fortaleza. Sempre se diagnosticou que a região precisa ter novos e complementares usos ao do comércio. Residências para comerciários, campi para universidades, tornando o Centro habitado mesmo durante a noite, zona cerealista transferida, abrindo espaços para projetos ousados foram algumas das idéias que circularam fazendo-nos sonhar uma cidade melhor, contrariando os vetores de degradação.
Pergunto-me: se tal vontade está realmente de prontidão formando a consciência de que o Centro é de todos, de que com sua deterioração perdem todos, perde-se em espaço para o passeio, perde-se em referências, perde-se em auto-imagem e, conseqüentemente, em negócios e auto-estima dos fortalezenses, independentemente de onde morem e dos bairros que freqüentam.
Quem anda pelo Centro? Hoje passa por ali quem tem de passar. O andar – por opção, pelo prazer da convivência e da descoberta da cidade – agoniza. As praças e jardins freqüentemente passam a se reinventar, procurando novos usos, como prática de esportes, eventos de massa, intervenções artísticas, compra e venda de mercadorias. Entretanto, tais espaços públicos passaram a ser tratados sem a adequada prioridade pelas políticas públicas, seja no tocante à fiscalização ou aos orçamentos dedicados à manutenção, à segurança e à geração de renda, instrumentos importantes do planejamento urbano. Com praças, calçadas deterioradas, privatizadas, degradadas, o andar tem dificuldades para ser reinventado: viveremos sobre esteiras ou pistas, em andares medicalizados? Estamos destinados a andar por obrigação e a bater pernas em corredores climatizados?
Se uma boa parte dos que decidem, que influenciam o poder ou a opinião pública encontrasse tempo, em meio a suas correrias, para usufruir do centro, ele estaria em outra situação. Quem tem encontrado algum tempo para olhar este pedaço da cidade são muitos artistas. São grafiteiros, realizadores em vídeo, atores, intervencionistas, performáticos, “designers” sociais no rastro de Michel de Certeau e sua cidade quase invisível, de Guy Debord, que diagnosticava e criava estratégias, metodologias e situações políticas.
Em uma convocação da sociedade para sonhar e praticar o Centro – não uma convocação para comodamente indicar o que o Município ou o Estado precisam realizar – a arte urbana também deveria ser escutada para compartilhar suas descobertas e agenciamentos. Nessas pequenas utopias existe a possibilidade da contaminação, da lembrança e incorporação do futuro, agora em ruínas precoces.
JÚLIO LIRA Sociólogo e coordenador da organização Mediação de Saberes
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário