domingo, 30 de agosto de 2009

Encanto e estranhamento

Quantos caminhões! “Estamos chegando. Olha ali os guinchos descarregando os navios. E esse aí deve ser o Farol do Mucuripe”. Será que esse farol é o mesmo da música que o meu pai cantarolava? “Luis Élcio, não se esqueça do roteiro: dobra à direita antes do final da avenida. Se formos direto, podemos sair daqui só de cueca”.

Ô lugar para ter bar (Que inocência a minha)! “Desvia do buraco. Vocês estão lembrados? Depois dos ‘comércios’ temos que dobrar à esquerda. É isso mesmo, Renato?”. Acho que é essa rua mesmo. “É aqui sim, olha ali o mar”. Caramba, bem que o Thiago falou, tem porcos na praia, lixo e esgoto a céu aberto! “Galera, tem altas ondas. Olha o Lucinho. Para aí, para perguntarmos onde devemos deixar o carro”.

- Podem estacionar em frente à igreja que tá em casa.

É menino que nem presta. “Ei, me dá um pedaço de parafina. Tem adesivo aí para eu pregar na minha ‘prancha’?”. E não é mesmo que o pessoal daqui surfa de tábua?! Pela beira da praia cheia de lixo eu não vou entrar. “Por onde é que a gente entra, Lucinho?”.

- Pelo paredão. Vem comigo. Aqui é melhor, a gente já cai no pico.

Isso aconteceu em 1993. A minha primeira vez no Titanzinho foi um misto de encanto e estranhamento. Comecei a surfar cedo, e, aos 13, já participava das primeiras competições. No Ceará é assim: se você é atleta, logo vai sentir o peso de duelar com os “titânicos”. Foi dessa forma que fiz amizade com o local Lucinho Lima, meu primeiro grande rival. Tudo bem que só consegui ganhar dele uma vez, mas, para meu alívio, o cara se tornaria o herdeiro do trono de Fábio Silva, o grande herói do esporte no nosso estado.

Como naquela época o rei Fábio e a rainha Tita Tavares estavam sempre pelo mundo, Lucinho era quem comandava a praia. Então foi bem tranquilo para eu transitar por lá. Tranquilo, porém diferente de tudo que eu era acostumado. Até ali, minha vida era reduzida aos destinos padronizados dos meus pais. Passávamos finais de semana na casa de praia da família e basicamente só ia para onde eles me levavam.

Nunca deixei de freqüentar o Titã e já tive momentos excelentes por lá. Hoje, a favela mais surfe do mundo não tem mais porcos na praia. O lixo e os buracos nas ruas também são escassos. Mas a quantidade de meninos querendo ser o imperador do Titanzinho e conquistar o globo é cada vez maior.

Ponto de vista de Jonatan de Sousa. Designer e editor da revista virtual V8Surf.com.br publicado no Caderno Vida e Arte do Jornal O POVO, em 30/08/ 2009.

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