Os problemas de uma comunidade não são de propriedade exclusiva dela. No artigo, o Professor Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira comenta a questão do Titanzinho à luz da geografia cultural.
Tentemos pensar os problemas de uma comunidade local ameaçada, à luz da mobilidade dos sujeitos, dos visitantes. Dos que moram e não se sentem do lugar, e dos que não moram, mas se envolvem. Essa breve reflexão sobre o impasse do Titanzinho advém como um convite-resposta à pergunta de uma maioria de leitores: que tenho eu a ver com isso?
Discutindo a espacialidade da vida humana e seu jogo de apropriações, o filósofo e pedagogo alemão Otto Bollnow, no livro O Homem e o Espaço (publicado em 2008 pela Editora da UFPR) diz: “Se o homem estivesse só no mundo, teria o máximo de espaço. Mas ele teria tanto que para ele o espaço nunca se tornaria um problema.” Até aqui um raciocínio simples para uma idéia evidente. Mas o autor avança: “problema ele se torna quando o homem, com sua demanda por espaço, esbarra na demanda de outro homem. E isso significa que ele tope com outro corpo, mas que ele choque com o espaço de movimento por este demandado.” Aqui é que surge o complicador: a mobilidade do outro. E o pior: também proprietário e com poder sobre seus valores.
Visões da cidade grande povoam nosso cotidiano, moldado no choque desses dois planos. Quando nos deslocamos pelas ruas e bairros, lidamos com a multiplicação de paisagens e tentamos encontrar referenciais, mais duradouros: certa praça, loja ou prédio; algo marcante do espaço vivo. É o plano horizontal dos valores. Mas quando aceitamos as “facilidades” tecnológicas da comunicação (reportagens, fotos aéreas, tomadas cinematográficas) como visualização indireta, cremos na autoridade das paisagens objetivas. Aquelas que dispensam a diversidade comum a todos os lugares em nome de uma verdade: o padrão de praça, loja e prédio enquadrados: um espaço morto. É o plano vertical dos poderes. Para um agrupamento social, auto-reconhecido pela vizinhança de sua habitação/ocupação mais cotidiana, Fortaleza é apenas uma idealização. Acessar a cidade maior é investir em outras formas de vida para enriquecer nossas experiências daquele lugar. Entretanto, tais experiências, pelas contradições próprias da vida urbana e pelo contato permanente com o outro, nos tornam seres aguerridos e defensivos. Tradutores e intérpretes de uma segurança ou de um apego territorial descrito como “qualidade de vida”. Impõe-se neste apego uma visão vertical: nossas experiências têm o direito de apropriarem-se, definitivamente, do lugar. Surge aí uma concepção política do lugar como propriedade coletiva.
Para um agrupamento social, auto-reconhecido pela vizinhança de sua habitação/ocupação mais cotidiana, Fortaleza é apenas uma idealização. Acessar a cidade maior é investir em outras formas de vida para enriquecer nossas experiências daquele lugar. Entretanto, tais experiências, pelas contradições próprias da vida urbana e pelo contato permanente com o outro, nos tornam seres aguerridos e defensivos. Tradutores e intérpretes de uma segurança ou de um apego territorial descrito como “qualidade de vida”. Impõe-se neste apego uma visão vertical: nossas experiências têm o direito de apropriarem-se, definitivamente, do lugar. Surge aí uma concepção política do lugar como propriedade coletiva.
Na contemporaneidade, é esta concepção que prospera ao defender o direito de tal “comunidade” a este ou àquele local. Não consideramos isso equivocado; apenas lembramos aqui tratar-se de algo geograficamente incompleto. Todo “nosso lugar” forma uma territorialidade de múltiplos donos. Isso significa que a identidade do lugar, sem a alteridade das formas de uso e apropriação, nos isolaria.
Há quem interessa pensar que os problemas de uma comunidade são dela exclusivamente? Resposta simples: a quem não pode enxergar a comum diversidade dos valores em nome do poder, do “bem comum”. Ou seja, uma tecnocracia dizendo às outras comunidades que aquela comunidade “de risco” é a invasora; é o “mal comum” a exorcizar. Enquanto esta convoca suas lideranças à empreitada da resistência. Reúnem-se em manifestações, assinam solicitações às autoridades, denunciam abusos na imprensa, perdem urbanidade e antevêem os impactos por vir.
No final das contas, vem um resultado conciliador saudando a transformação modernizadora e a glória da resistência. Dificilmente, entretanto, mudando a correlação de forças: valores sociais submetidos aos poderes institucionais.
Tensões e expectativas vividas no pequeno Titanzinho (“espaço vivo, indefinido”) diante do monstro Estaleiro (“espaço morto”, projetado) podem desenhar outras geografias, nesse caso, incomuns? Quais e como se dariam? Quem sabe mobilizando ‘titanzões’! É fundamental criar espaços-problema à engenhosidade simplista dos agentes públicos e privados. Projetos desse porte querem solucionar problemas incompreensíveis na escala local. Seja neste ou em outros lugares; vizinhos ou distantes. Enquanto o poder judiciário da República, sempre acusado por lentidão e favorecimento aos grandes capitais, raramente é acionado pela reivindicação de um direito básico: inteligibilidade do lugar.
Um estaleiro é auto-explicável? Não imediatamente; conforme a capacidade de atacar os valores das comunidades diversas; não serão jamais. Se tantos outros megaprojetos urbanos (Aquário, Copa 2014, Orla, Metrofor, etc.) – verdadeiros titanzões da incompreensão planejada – nos obriga ver a cidade de cima e mortal, urge responder apelando à demanda pelo espaço do movimento, conforme Bollnow. Eu, nós, eles, e também tantos os outros, queremos provas de que um estaleiro nos movimenta melhor neste espaço do que as ondas habituais. Quem garantirá essa vitalidade geográfica?
Christian Dennys Monteiro de Oliveira é doutor em geografia, professor adjunto da UFC e coordenador da pós-graduação em Geografia. Fonte Caderno Vida e Arte/ 20 anos do Jornal O POVO, em 30/08/ 2009.
domingo, 30 de agosto de 2009
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